terça-feira, 6 de agosto de 2013

PRECINHO   CAMARADA


         
 Comprar roupas em um mercado popular pode ser uma experiência terrível para os não iniciados. Quando se vê aquela fila interminável de vitrines coloridas e anúncios de descontos imagina-se, a princípio, que se encontrou a porta principal do paraíso e que se vai reformar todo o guarda-roupa a preços simbólicos. Então a, até agora, feliz compradora, no caso você, atraída por uma arara de blusas entra na primeira loja e ouve:

- Bom dia!
E amavelmente responde ao aceno: Bom dia.
Ainda antes de alcançar o cabide das roupas, nova interferência:
-  Posso ajudá-la?
E você: - Só estou dando uma olhadinha.
- Se quiser experimentar alguma peça, é só falar.
- Obrigada.
- Fique à vontade...
- Obrigada.
- Tem outras cores, outros tamanhos.
- Obrigada.
Neste ponto você já está ficando um tanto impaciente com tanta falação, perdeu a concentração para a análise do produto e acha melhor sair e experimentar a próxima loja, onde as roupas são outras, mas a recepção é a mesma. Bem como nas seguintes. Lá pelas décima loja, quando o seu humor já sofreu sérias alterações devido à repetição daquele irritante mantra nos seus ouvidos, você começa a ficar um tanto tensa e sua boa educação é acometida de um súbito declínio e você rosna um bom dia para a atendente para tentar mantê-la um pouco afastada.
- Posso ajudá-la?
- Pode... limpa os meus óculos... segura  a minha bolsa... pede uma pizza...
A moça sorri meio sem entender e continua firme em seu script:
- Se quiser experi....
- Só tô olhando!
- Fique à vontade.
Ela dá uma paradinha, entretanto continua a acompanhando com os olhos atentos. Você toca numa blusa e ela dispara:
- Tem outras cores, outros tamanhos...
- Claro que tem outras cores e tamanhos, ou será que só tem tamanho P e cor-de-abóbora? – Isso você pensa, mas se controla e não fala nada, fugindo da calorosa investida.
Enfim, o dia já está avançado e você, que pensou que chegar cedo e encontrar as lojas ainda vazias era um bom negócio, vê com satisfação a rua se encher de gente e passa imaginar, com acerto, que terá que dividir a toda aquela atenção, antes exclusiva, com outras pessoas.
Então você entra numa loja apinhada gente  animada revirando os cabides, pede licença aqui e acolá e, finalmente, encontra uma blusa cujo modelo lhe agrada e tenta chamar a atenção de alguma balconista, mas agora elas estão todas ocupadas, numa total inversão do que há poucos minutos acontecia, quando você desejava um pouco de tranquilidade para fazer suas escolhas. Enfim é vista e pergunta quais as outras cores daquele modelo:
Solícita a moça vai exibindo as peças e declinando os nomes das cores:
- Tem cenoura...
- O legume é outro - você pensa - é abóbora.
-  Tem fúcsia... – um eufemismo para rosa choque.
- Tem neon... -  e coloca sobre a mesa uma peça fluorescente que você tem vontade de perguntar se acompanha uns óculos escuros porque aquela cor pode causar sérios danos a olhos sensíveis, imagina você.
Tentando escapar das cores assustadoras que a fazem pensar que você chegou no último dia da liquidação ou que assim o fez o dono da confecção ao comprar tais tecidos, você pergunta quais os tamanhos disponíveis torcendo para não ter o seu.
- É tamanho único.
Sobre o tamanho único pode-se dizer que o único tamanho que não cabe em ninguém; fica largo em quem usa P, muito justo em quem veste M e não passa nem pelo pescoço de quem usa G. Agora você já conseguiu a desculpa que precisava, explicou que gosta de roupa larga,  e que, embora de aparente compleição miúda, você só sente mesmo à vontade num GG, e pode então sair da loja sem remorsos. Só que agora a rua está tão cheia de gente que você mal pode andar, vai sendo empurrada de um lado para o outro até que um impulso mais forte a coloca dentro de uma loja repleta de afortunadas consumidoras. Por consumidora afortunada deve-se entender que apenas dez por cento do volume que ocupa no espaço é preenchido pela pessoa em questão; os outros noventa se concentram em numerosos volumes de malas, bolsas e sacolas. E você ali no meio, sem uma sacolinha sequer. É quando você encontra uma calça que a agrada. Ao pedir o seu número a vendedora diz que a modelagem é pequena e lhe dá uma dois números acima do seu, sem perceber o perigoso potencial psicológico de tal atitude. Ela está lhe dando uns oito quilos a mais e lhe tirando o que ainda resta de autoestima. Arrasada, você se encaminha para a cabine na qual você não entra; se encaixa. É um espaço minúsculo onde você mal cabe imóvel, imagine tendo que se contorcer para tirar a sua roupa e experimentar a outra. Quando, a despeito da impressão inicial, você acha que conseguiu se movimentar a contento, percebe que seu traseiro ficou pro lado de fora, à vista de todo mundo. Some-se a isso o espelho. Existem três tipos de espelhos: o realista, que mostra suas medidas exatamente como são; o generoso, que distorce alongando a silhueta e o cruel, aquele que achata e alarga a imagem de sua vítima e que é o mais comum de todos. Agora, veja-se num cubículo que, por si só, já a faz sentir-se gorda por não conseguir se acomadar direito dentro dele, junto com uma calça dois números acima e diante de um espelho malvado. É depressão instantânea. Você larga a calça pra lá, sai correndo da loja e, como toda deprimida, pensa logo em comer. Então, percorre todos os quiosques e barraquinhas da rua, come cachorro quente, milho cozido, amendoim, cocada, pastel e depois volta pra casa. Com as mãos abanando e com dois quilos a mais.