PRECINHO CAMARADA
Comprar roupas em um mercado popular
pode ser uma experiência terrível para os não iniciados. Quando se vê aquela
fila interminável de vitrines coloridas e anúncios de descontos imagina-se, a
princípio, que se encontrou a porta principal do paraíso e que se vai reformar
todo o guarda-roupa a preços simbólicos. Então a, até agora, feliz compradora, no
caso você, atraída por uma arara de blusas entra na primeira loja e ouve:
- Bom dia!
E amavelmente responde ao aceno: Bom
dia.
Ainda antes de alcançar o cabide das
roupas, nova interferência:
-
Posso ajudá-la?
E você: - Só estou dando uma olhadinha.
- Se quiser experimentar alguma peça,
é só falar.
- Obrigada.
- Fique à vontade...
- Obrigada.
- Tem outras cores, outros tamanhos.
- Obrigada.
Neste ponto você já está ficando um
tanto impaciente com tanta falação, perdeu a concentração para a análise do
produto e acha melhor sair e experimentar a próxima loja, onde as roupas são
outras, mas a recepção é a mesma. Bem como nas seguintes. Lá pelas décima loja,
quando o seu humor já sofreu sérias alterações devido à repetição daquele
irritante mantra nos seus ouvidos, você começa a ficar um tanto tensa e sua boa
educação é acometida de um súbito declínio e você rosna um bom dia para a
atendente para tentar mantê-la um pouco afastada.
- Posso ajudá-la?
- Pode... limpa os meus óculos...
segura a minha bolsa... pede uma
pizza...
A moça sorri meio sem entender e
continua firme em seu script:
- Se quiser experi....
- Só tô olhando!
- Fique à vontade.
Ela dá uma paradinha, entretanto
continua a acompanhando com os olhos atentos. Você toca numa blusa e ela
dispara:
- Tem outras cores, outros
tamanhos...
- Claro que tem outras cores e
tamanhos, ou será que só tem tamanho P e cor-de-abóbora? – Isso você pensa, mas
se controla e não fala nada, fugindo da calorosa investida.
Enfim, o dia já está avançado e você,
que pensou que chegar cedo e encontrar as lojas ainda vazias era um bom
negócio, vê com satisfação a rua se encher de gente e passa imaginar, com
acerto, que terá que dividir a toda aquela atenção, antes exclusiva, com outras
pessoas.
Então você entra numa loja apinhada
gente animada revirando os cabides, pede
licença aqui e acolá e, finalmente, encontra uma blusa cujo modelo lhe agrada e
tenta chamar a atenção de alguma balconista, mas agora elas estão todas ocupadas,
numa total inversão do que há poucos minutos acontecia, quando você desejava um
pouco de tranquilidade para fazer suas escolhas. Enfim é vista e pergunta quais
as outras cores daquele modelo:
Solícita a moça vai exibindo as peças
e declinando os nomes das cores:
- Tem cenoura...
- O legume é outro - você pensa - é
abóbora.
-
Tem fúcsia... – um eufemismo para rosa choque.
- Tem neon... - e coloca sobre a mesa uma peça fluorescente
que você tem vontade de perguntar se acompanha uns óculos escuros porque aquela
cor pode causar sérios danos a olhos sensíveis, imagina você.
Tentando escapar das cores
assustadoras que a fazem pensar que você chegou no último dia da liquidação ou
que assim o fez o dono da confecção ao comprar tais tecidos, você pergunta
quais os tamanhos disponíveis torcendo para não ter o seu.
- É tamanho único.
Sobre o tamanho único pode-se dizer
que o único tamanho que não cabe em ninguém; fica largo em quem usa P, muito
justo em quem veste M e não passa nem pelo pescoço de quem usa G. Agora você já
conseguiu a desculpa que precisava, explicou que gosta de roupa larga, e que, embora de aparente compleição miúda,
você só sente mesmo à vontade num GG, e pode então sair da loja sem remorsos.
Só que agora a rua está tão cheia de gente que você mal pode andar, vai sendo
empurrada de um lado para o outro até que um impulso mais forte a coloca dentro
de uma loja repleta de afortunadas consumidoras. Por consumidora afortunada
deve-se entender que apenas dez por cento do volume que ocupa no espaço é preenchido pela pessoa em questão; os outros noventa se concentram em numerosos
volumes de malas, bolsas e sacolas. E você ali no meio, sem uma sacolinha
sequer. É quando você encontra uma calça que a agrada. Ao pedir o seu número a
vendedora diz que a modelagem é pequena e lhe dá uma dois números acima do seu,
sem perceber o perigoso potencial psicológico de tal atitude. Ela está lhe
dando uns oito quilos a mais e lhe tirando o que ainda resta de autoestima.
Arrasada, você se encaminha para a cabine na qual você não entra; se encaixa. É
um espaço minúsculo onde você mal cabe imóvel, imagine tendo que se contorcer
para tirar a sua roupa e experimentar a outra. Quando, a despeito da
impressão inicial, você acha que conseguiu se movimentar a contento, percebe que seu
traseiro ficou pro lado de fora, à vista de todo mundo. Some-se a isso o espelho.
Existem três tipos de espelhos: o realista, que mostra suas medidas exatamente
como são; o generoso, que distorce alongando a silhueta e o cruel, aquele que
achata e alarga a imagem de sua vítima e que é o mais comum de todos. Agora, veja-se
num cubículo que, por si só, já a faz sentir-se gorda por não conseguir se acomadar direito
dentro dele, junto com uma calça dois números acima e diante de um espelho
malvado. É depressão instantânea. Você larga a calça pra lá, sai correndo da
loja e, como toda deprimida, pensa logo em comer. Então, percorre todos os
quiosques e barraquinhas da rua, come cachorro quente, milho cozido, amendoim,
cocada, pastel e depois volta pra casa. Com as mãos abanando e com dois quilos
a mais.